Produtores rurais do movimento “Levanta Cabeça”, de Araguaína, no Tocantins, encaminharam abaixo-assinado para a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina, solicitando posicionamento oficial de seu ministério em relação à irregularidades praticadas pelas indústrias frigoríficas no toalete e quebra de rendimento em carcaças bovinas.
De acordo com o documento, “no Brasil nos últimos anos tem havido grande discussão entre pecuarista e a indústria frigorífica acerca do rendimento de carcaça. Embora esse tema possa parecer sem sentido uma vez que há leis e portarias governamentais que definem o que é carcaça bovina, na verdade os frigoríficos não seguem essas leis e orientações”.
A Instrução Normativa nº 9, de 4 de maio de 2004, define carcaça bovina como “o animal abatido, sangrado, esfolado, eviscerado, desprovido de cabeça (separada entre os ossos occipital e atlas), patas (seccionadas à altura das articulações carpo-metacarpiana e tarso-metatarsiana), rabada, órgãos genitais externos, gordura perirrenal e inguinal, ferida de sangria, medula espinhal, diafragma e seus pilares” a indústria frigorífica vem submetendo as carcaças por ela processada a uma rigorosa toalete para remoção de tecido adiposo (gordura) e até mesmo cortes cárneos como o matambre (músculo cutâneo toráco abdominal).
Mais recentemente no DECRETO Nº 9.013, DE 29 DE MARCO DE 2017, definiu-se que carcaças são as massas musculares e os ossos do animal abatido, tecnicamente preparado, desprovido de cabeça, órgãos e vísceras torácicas e abdominais, respeitadas as particularidades de cada espécie, observado ainda: I - nos bovinos, nos búfalos e nos equídeos a carcaça não inclui pele, patas, rabo, glândula mamária, testículos e vergalho, exceto suas raízes; (Redação dada pelo Decreto nº 9.069, de 2017).
Os produtores alegam que, não obstante o detalhamento criterioso dado por normativas e decretos do Mapa, os frigoríficos tem realizado rigorosa toalete nas carcaças antes da pesagem, ocasião em que são retiradas porções de tecido adiposo (gordura) nas mais variadas regiões das carcaças.
O problema é antigo e pode ser constatado no próprio MAPA, onde um e-mail foi enviado pelo SIPOA/DDA/SFA-RS e relata: “desuniformidadede procedimento em relação a toalete de carcaças bovinas, citando como exemplo que na remoção da ferida de sangria ocorre a retirada de quase ou a totalidade da musculatura ventral do pescoço (indo próximo as vértebras cervicais e a 1a costela), remoção do ligamento cervical no abate, parte do coxão mole – músculo obturador interno (aranha), região do vazio: além do gânglio pré-crural e gorduras anexas, saem as serosas viscerais e realizam a reetirada do músculo reto abdominal-porção pré-púbico (pacu), deslocamento da paleta e das vértebras cervicais em locais que antecedem a pesagem das meias carcaças”.
Embora a posição do MAPA seja contrária à retirada desses tecidos não há um posicionamento oficial do ministério de modo a coibir essa irregularidade praticada pelas indústrias frigoríficas.
Trabalhos realizados pela Universidade Federal do Tocantins tem avaliado ao longo dos últimos dez anos a toalete final nas carcaças bovinas em vários frigoríficos. No caso dessas avaliações, são pesados apenas o tecido adiposo retirado para dar maior uniformidade às carcaças e, obviamente, colocando na conta do produtor uma despesa que seria da indústria frigorífica.
Dados sobre a remoção de gordura (toalete) e qual o prejuízo que essa prática tem causado aos pecuaristas.
Tabela 1: Rendimento de carcaça quente, rendimento de carcaça sem retirada de gordura, recorte de gordura e prejuízo causado aos produtores em função da toalete.
Categoria
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RCQ, %
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RCQI, %
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Diferença
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RG*, kg
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Prejuízo*, R$
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Macho inteiro
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51,45
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53,68
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2,23
|
11,10
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111,00
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Barros (2014)
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Macho inteiro
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55,09
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57,13
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2,04
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9,63
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96,30
|
Cunha (2014)
|
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Macho inteiro
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55,59
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57,33
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1,74
|
8,40
|
84,00
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Mendes Filho (2016)
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Fêmea
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51,40
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54,39
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2,99
|
9,95
|
99,50
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Oliveira (2017)
|
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Macho inteiro
|
51,31
|
53,24
|
1,93
|
8,22
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82,20
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Santana et al. (2014)
|
|
Fêmea
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51,30
|
53,55
|
2,25
|
8,23
|
82,30
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Souza (2016)
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Média
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52,69
|
54,89
|
2,19
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9,26
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92,60
|
Média
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*Valor da @: R$ 150,00. RCQ, Rendimento de carcaça quente; RCQI, Rendimento de carcaça quente integral; RG, recorte de gordura.
* No recorte de gordura não está incluída a gordura perirrenal e inguinal, cuja a retirada é prevista na Instrução Normativa nº 9, de 4 de maio de 2004.
Conforme pode ser visto na tabela acima, só a remoção, não permitida por lei, de tecido adiposo (gordura) das carcaças, causa um prejuízo de R$ 92,60 (noventa e dois reais e sessenta centavos) por animal abatido, isso, sem considerar os outros tecidos e músculos supracitados (musculatura ventral do pescoço, parte do coxão-mole – músculo obturador interno (aranha), e músculo reto abdominal-porção pré-púbico (pacu)).
Quanto ao rendimento de carcaça, observa-se que em média a retirada da gordura causa uma diminuição de 2,19 pontos percentuais no rendimento de carcaça dos animais. Assim sendo, fica claro que a frequente divergência entre os rendimentos de carcaça esperados pelos produtores e os rendimentos obtidos na ocasião do abate não se dá ao acaso ou é fruto do “hábito de reclamar sempre” do pecuarista.
Quando se compara os rendimentos de carcaça de raças conhecidas mundialmente como a raça Angus, os rendimentos obtidos no Brasil estão sempre aquém dos obtidos em outros países, mesmo em condições semelhantes de manejo e alimentação. De novo pose-se comprovar que, a indústria frigorífica, altamente dominadora na cadeia produtiva da carne bovina está submetendo os produtores a condições que inexistem em qualquer outro país do mundo.
O documento encaminhado ao Mapa aponta que é necessário que, em caráter de urgência, o Ministério faça cumprir as instruções normativas e decretos existentes, e, publique instrução normativa específica que permita aos produtores intervir quando da remoção indevida de partes das carcaças bovinas.