Divididas entre o trabalho doméstico e no campo, mulheres avançam em cargos de liderança em cooperativas

Dados da Embrapa apontam que apenas 19% dos estabelecimentos rurais do país são liderados por mulheres

08/03/2022 às 17:44 atualizado por Thalya Godoy - SBA | Siga-nos no Google News
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Imersas no ambiente rural desde a infância, as mulheres precisam se dividir entre o trabalho doméstico e a lida no campo. O ambiente não foi favorável e, atualmente, não é o ideal, mas a luta por igualdade nos espaços de decisão fez com que elas avançassem para ocupar cargos de liderança em suas regiões.

De acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária (Embrapa), divulgada em 2020, apenas 19% das propriedades rurais são lideradas por mulheres, o que equivale a 947 mil de estabelecimentos rurais em um universo de pouco mais de 5 milhões. Em 2006, a porcentagem chegava a 13%.

Segundo o relatório técnico “Perfil das Mulheres Rurais do RS”, divulgado hoje (8), pelo governo do Rio Grande do Sul, as mulheres do campo são as maiores responsáveis pelo serviço doméstico. 

Na cozinha, as mulheres são as responsáveis mais frequentes por fazer o café da manhã (82%), almoço (90%) e jantar (85%). O cuidado com a louça é feito regularmente pelas mulheres (87%), assim como a limpeza da casa, 89%, contra apenas 4% dos homens que disseram realizar a tarefa com regularidade, 8% dos filhos homens e 22% das filhas mulheres. 

“Na medida que a mulher vai conquistando mais trabalho [fora de casa], nem sempre ela tem o apoio do marido e da família nas atividades do lar. Acho que ainda falta muito para ter essa igualdade”, afirma a agricultora Maria Regina Nogueira, de 50 anos, que participa do grupo Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (Mobi), da Cooperativa Dos Agricultores Familiares De Poço Fundo E Região (Coopfam).

Agricultora familiar Maria Regina Nogueira participa do grupo Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (Mobi). Foto: Arquivo Pessoal

Maria Nogueira acredita que o índice baixo de mulheres a frente de estabelecimentos rurais está ligado ao preconceito de ter uma mulher em posição de tomada de decisão. O desempenho e capacidade serão questionados pelo gênero, em algum momento. 

“A Coopfam é presidida por uma mulher e a gente vê o quanto é cobrada por ser mulher do que se fosse um homem. Tudo o que acontece se não dá certo tem o questionamento ‘será que foi assim porque é mulher?’. Eu acho que o preconceito ainda é muito forte”, observa a agricultora. 

O Mobi nasceu em 2006 do desejo das mulheres que assistiam as assembleias da cooperativa apenas como ouvintes e queriam participar de forma ativa nas decisões. Queriam ser ouvidas não somente ao lado do marido, mas como detentoras de opinião individuais. O grupo de mulheres na época também buscava uma fonte de renda extra para ajudar nas despesas familiares. 

Nos 16 anos de funcionamento, o número de participantes cresceu de 6 para 30.

Neste período, trabalharam para a implantação de hortas nas propriedades, um projeto do biodigestor para gás de cozinha e biofertilizante, além do cultivo de plantas medicinais para uso próprio e venda, e a construção de um galinheiro para a criação de frango e ovos para o consumo em casa e complementação da renda.

“A maior conquista que temos é sobre a autoestima das mulheres que participam do Mobi. Hoje ela se sente muito mais capaz. Todas tiveram um desenvolvimento na vida pessoal, profissional e familiar. A gente cresce muito em grupo e isso é uma coisa que não tem preço, essa união que as mulheres têm uma apoiando a outra”, acredita Maria Regina.

A agricultora familiar mora no campo desde os 10 anos e sempre apreciou trabalhar com a terra e plantas. Conheceu o cooperativismo aos 35, mas começou a participar de forma ativa quando tinha 40 anos. 

Na propriedade que administra ao lado do marido cultiva café e hortaliças orgânicas. “Dividimos as tarefas, ele me apoia e eu apoio ele. Assim conseguimos ter tempo para cada atividade e conciliar a vida no campo com o trabalho em comunidade e na cooperativa”, afirma.

A agricultora vê que, apesar do preconceito e questionamentos sobre a capacidade de lideranças femininas, o sistema tem mudado nos últimos anos. “As mulheres estão acreditando no seu potencial e tomando as rédeas dos espaços que elas têm direito a ser conquistado”, ela acredita.

A trajetória de liderança na vida da agricultora Sandra Bergamim, de Santa Catarina, começou aos 18 anos na Pastoral da Juventude, quando iniciou a “minha militância”, ela descreve. “A partir daí ingressei no movimento sindical, pelas lutas da agricultura familiar e, posteriormente, nos anos 2000, no cooperativismo popular e solidário”, afirma.

 

 

Sandra atualmente ocupa os cargos de secretária nacional de mulheres da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) e de secretária de finanças da Cooperativa Alternativa da Agricultura Familiar (Cooperfamiliar), que trabalha nas cadeias produtivas do leite, frutas, verduras e outras atividades.

“Uma das dificuldades que enfrentei que me marcou foi o preconceito por ser mulher e jovem. As visões e os comentários machistas que muitos companheiros trazem e as questões da falta de sensibilidade pelo deslocamento, por ser jovem, não ter carteira de motorista, além dos horários das reuniões serem a noite, limitando a participação nesses espaços”, ela relembra.

Na Unicafes são 734 mil associados, distribuídos em 720 cooperativas, em 21 estados. Deste quadro, 30% é formado por mulheres, o que equivale a cerca de 220 mil associadas. Um levantamento realizado em 2018 pela entidade aponta que, em média, 20% destas mulheres participam dos quadros diretivos das cooperativas. 

Como forma de avançar na igualdade de participação, a Unicafes aprovou neste ano uma resolução que define que, em todos os espaços diretivos da sistema Unicafes (associação e federação), será trabalhada a paridade de gênero em todas as composições dos quadros de direção e decisão do cooperativismo popular e solidário.

Sandra atribui às políticas públicas construídas no decorrer dos anos e à participação e atuação das mulheres nos espaços de decisão as vitórias femininas por mais autonomia na condução de suas vidas pessoais e do trabalho, como a titularidade da terra.

“Se pegarmos os dados de um país patriarcal e machista e que não dá a chance da mulher ficar na propriedade, porque a titularidade das terras muitas vezes é passada para o rapaz, ou mesmo na divisão da herança, na sucessão familiar, a prioridade é para o filho homem, nós termos um universo de que 19% das propriedades rurais são conduzidas por mulheres, eu avalio um avanço nesse processo organizacional”, ela acredita.

 

Foto de capa: Maria Regina Mendes Nogueira


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