Apicultura para um futuro produtivo e sustentável

Abelhas são os polinizadores mais eficientes e podem elevar a produção e a qualidade dos alimentos

15/01/2021 às 07:30 atualizado por Thalya Godoy - SBA | Siga-nos no Google News
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Abelhas remetem, a princípio, a mel, um corpo listrado de amarelo e preto e um zumbido constante. Mas, não é só. Elas desempenham um papel fundamental para o equilíbrio ambiental e para a humanidade, com participação em 73% na polinização de plantas cultivadas e utilizadas de forma direta ou indireta na alimentação humana, como aponta o trabalho “Agricultura e Polinizadores”, organizado pela Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A).

Também são consideradas as polinizadoras mais eficientes, como explica o biólogo, especialista em apicultura e meliponicultura e gerente de um apiário em Campo Grande (MS), Marcos José Wolf. “Há mais de 20 mil espécies de abelhas, de tamanhos e hábitos diferentes. Então, elas são responsáveis por manter a variabilidade genética da flora, seja nativa ou cultivada”, afirma.

Segundo a A.B.E.L.H.A, a apicultura no Brasil iniciou com a importação de sete colônias de abelhas Apis Mellifera, no século XIX, vindas de Portugal, e que apresentavam baixa produtividade de mel devido à dificuldade de adaptação pela sua origem europeia no clima tropical e resistência a doenças. 

Na metade do século seguinte, foram liberadas, de forma acidental, abelhas rainhas importadas da África para estudo comparativo entre as duas subespécies. Após o acidente, essas abelhas acasalaram-se com as europeias presentes no país e desse cruzamento surgiu a abelha africanizada, mais agressiva, porém melhor produtora e mais resistente.

 

Produção brasileira de mel em 2019 faturou R$ 493,7 milhões, segundo dados do IBGE

Desses cenários para o atual vivido pela apicultura, houve modificações e evoluções nas técnicas de manejo, como o trabalho de melhoramento genético desenvolvido com abelhas rainhas. O biólogo Wolf explica que a prática reflete em toda cadeia produtiva.

“Selecionamos todas as características que vão refletir em um bom material genético. Trabalhamos com várias matrizes e com parte das crias, das filhas dessas rainhas, fazemos os lotes de rainha para o próximo ano, tanto para os nossos apiários como para a venda”, pontua.

A tecnologia empregada na apicultura brasileira tem avançado nos últimos anos e gerado resultados, em especial, na alimentação e manejo no Mato Grosso do Sul, como explica a zootecnista e técnica da Agraer/MS, Jovelina Oliveira. 

“A média no estado é de produção de 30 kg por caixa e no restante do país é entre 12 kg a 15 kg, resultado desse manejo dos apicultores sul-mato-grossense. As técnicas usadas aqui no Mato Grosso do Sul são avançadas, tanto na alimentação, como no manejo, na troca de rainhas, o que beneficia muito a produção de mel”, atribui a zootecnista.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatísticas (IBGE), em 2019 foram produzidas 46 mil toneladas de mel em todo país, o que corresponde a um crescimento de 8,5% frente a 2018, com uma receita de R$ 493,7 milhões no ano. 


 

 

Abelhas, Agricultura e Sustentabilidade
A agricultura quando aliada a apicultura pode gerar resultados positivos não só para as abelhas, mas como no aumento da produtividade da lavoura. Jovelina Oliveira explica que esta união poder ser aplicada em diversas culturas, como café e açaí.

“O morango polinizado por abelhas tem um formato comercial melhor, não fica torto, o sabor e a coloração melhoram, e a quantidade de frutas aumenta”, ela exemplifica.

 

Levantamento presente no “Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil” aponta que considerando-se apenas as plantas cultivadas polinizadas por animais, 70% de 1.330 cultivos nas regiões tropicais produzem frutos e sementes em maior quantidade e/ou com melhor qualidade quando polinizadas adequadamente. 

Segundo o relatório, culturas com alto valor econômico como soja, café, cebola, maçã, erva-mate, tomate, melão e feijão são polinizadas por abelhas. A soja representa cerca de 50% da safra brasileira de grãos, segundo a Conab, com 133,7 milhões de toneladas estimadas para a safra 2020/21, e sua dependência da polinização é considerada modesta, com um aumento de produção entre 10% a 40% com a ação de polinizadores.

Ainda de acordo com o documento, entre as oportunidades criadas pelo manejo sustentável de polinizadores e pela polinização com impacto direto na produção agrícola está o “aumento de valor agregado e de ingresso em mercados mais restritivos, por meio de certificações de sustentabilidade dos produtos agrícolas e de apicultura/meliponicultura”.

Para receber as abelhas na propriedade, o biólogo Marcos José Wolf explica que é preciso haver diálogo e planejamento entre o agricultor e apicultor antes da polinização para a mitigação de riscos e evitar acidentes com as abelhas e os trabalhadores da fazenda. 

“Tem que ser conversado sobre o período que vai pulverizar veneno, os agrotóxicos, pois o ideal seria passar a noite caso utilize um que possa prejudicar a abelha, e comunicar o apicultor para poder fechar as colmeias antes ou retirar do local. Tem que ser tudo combinado”, ele aconselha. 

A relação entre defensivos agrícolas e abelhas pode ser prejudicial a sobrevivência desses insetos se trabalhado de forma não planejada e acarretar prejuízos ambientais e econômicos, como a redução na polinização de plantas, desequilíbrio ambiental, queda na produtividade em apiários e a consequente diminuição na receita obtida na safra.

Abelhas são consideradas os polinizadores mais eficientes. Foto por SBA

Como alternativa ao uso de defensivos agrícolas com base química, os de controle biológico podem conter o avanço de mortes das abelhas e contribuir para uma produção mais sustentável nas lavouras. Em 2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) aprovou 95 defensivos de controle biológico - o maior número de registros em um único ano.

“O Mapa tem registrado vários defensivos biológicos e no Brasil está ocorrendo aumento da produção orgânica e de produtores interessados em trabalhar de forma mais natural, com o uso de agrofloresta, da permacultura. Isso é muito bom para a alimentação humana saudável, e para as abelhas ajuda na conservação, o que é muito importante para o Brasil”, afirma Jovelina Oliveira.

Outro ponto fundamental para a sobrevivência das abelhas é a legislação que garante a preservação desses insetos. Conforme o decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, é previsto que “considerando a natureza dos animais, em razão de seu pequeno porte, aplicar multa de R$ 500 a R$ 100 mil reais quando a contagem individual for de difícil execução”, para quem “matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória”.

Mesmo com a legislação brasileira prevendo multa, Jovelina  vê com desânimo a aplicação dessas leis, devido à dificuldade em identificar a causa da morte das abelhas. “A legislação brasileira ainda é deficiente nesse setor, porque não pune com maior rigor, por exemplo, áreas devastadas que eram locais onde existiam abelhas sem ferrão, que são daqui do Brasil”, exemplifica. 

 


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