Cactos: a poupança verde que serve de alimento ao gado à purificação de água

Cactáceos são recursos fundamentais para enfrentar períodos de estiagem

10/04/2020 às 14:30 atualizado por Thalya Godoy - SBA | Siga-nos no Google News
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Clima quente, o solo seco. O sol castiga quem desafia enfrentar o dia que se estende a frente. Nestes cenários, a estiagem faz morada, o que é refletido no modo de vida dos moradores, na poeira, na dificuldade de cultivo de alimentos, animais e fontes de hidratação. Toda criatividade e recursos são alternativas nestas regiões. No caso da falta de água e alimentos para as criações, um recurso é cultivado durante décadas.

A Palma Forrageira é um cacto presente em regiões semiáridas do Brasil. De acordo com o extensionista rural do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Felipe Lopes Neves, o trabalho com a cactácea começou na região de Mucuruci (ES) com um dia de campo para divulgar os benefícios da cultura para a pecuária leiteira e de corte. “O nosso trabalho com Palma iniciou em 2016 junto com um produtor no auge de uma das piores secas do Espírito Santo. O objetivo não é fornecer água e sim alimentar o rebanho ofertando uma quantidade maior de comida. Lógico que essa é uma planta que possui cerca de 85% a 90% de água, o que acaba sendo um alimento bastante rico em água também”, ele relembra.

 

Palma Forrageira é usada como suplemento na alimentação do gado. Foto por: Felipe/ Incaper

 

A Palma Forrageira faz parte do grupo das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs). Felipe explica que a ideia de utilizar o cacto como fonte de alimento e hidratação surgiu devido as características da localidade. “A região apesar de geograficamente estar inserida no bioma Mata Atlântica possui característica de precipitação próxima de um clima semiárido. Geralmente, todos os anos há um determinado período de seca onde a oferta de comida diminui e a cada ciclo de 10 a 15 anos há um período de 2 a 4 anos com precipitações abaixo da média e com elevada escassez na oferta de água para os rebanhos e comida nos pastos”, diz.

O extensionista rural conta que a adaptação do gado com a forrageira é boa, desde que não seja usada com outro alimento com melhor palatabilidade. O uso diário recomendado é de 40 kg à 50 kg, para evitar diarreia no rebanho. “Ela é um alimento forrageiro estratégico utilizado em épocas de crise de oferta alimentar aos rebanhos, viável para produtores que desejam aumentar o plantel e dispõe de pouca oferta de área e comida, uma vez que a sua produção por área é muito grande, variando de 300 toneladas por hectare a 600 toneladas por hectare”, assinala.

De acordo com a Pesquisa da Pecuária Municipal, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste do país saiu de 29.585.933 bovinos em 2011 para 28.244.899 em 2012, período em que a região enfrentou forte período de estiagem, o que representa redução de 1.341.034 animais.

Além da oferta de alimento, a Palma apresenta-se como alternativa em outros aspectos importantes na criação do rebanho. “Um dos benefícios é o fornecimento de parte da necessidade hídrica dos animais através dela que é rica em água. Pode ser considerada um alimento concentrado energético, o que ajuda a diminuir os custos com a aquisição de milho, por exemplo”, explica.

Felipe conta que as desvantagens do uso da cactácea estão voltadas mais à mecanização da colheita. "Quase todo plantio e colheita são feitos de forma manual, o que exige muita mão de obra. Como não é um alimento perfeito, o seu teor de proteína e fibra são baixos, mas são facilmente corrigidos com outros alimentos de fácil aquisição e oferta no mercado”, diz.

 

A Palma Forrageira foi introduzida no Brasil no século XIX. Foto por: Felipe/ Incaper

 

“No geral, a Palma é uma forrageira que complementa a alimentação animal, seja ela de rebanhos de bovinos, caprinos, ovinos e suínos. Nas propriedades com pouca água disponível para irrigação em capineiras irrigadas, é algo essencial e faz a diferença na hora de reduzir custos com alimentação, uma vez que a sua produção é muito grande e que não é necessário ensilar como as demais plantas forrageiras”, complementa.

Dentro da porteira
O produtor rural Klaus de Almeida, do distrito de Itabaiana no município de Mucurici (ES), possui 100 animais na sua propriedade entre vacas, novilhas e bezerras e, aproximadamente, um hectare de plantação de Palma Forrageira. “Uma das grandes razões para o plantio foi a pouca necessidade hídrica da Palma [...] estamos cada vez mais preparados para a convivência com a seca, que volta e meia aparece para arrasar com os estoques de alimentos”, ele afirma.

Na propriedade de Klaus, o gado se adaptou bem a Palma, sem a necessidade de uso de palatabilizantes (aditivo alimentar) para estimular a ingestão. Sobre os espinhos, comuns em cactos, o produtor conta que não atrapalham o consumo. Entre as maiores vantagens está a resistência da cactácea, que pode ser utilizada em mais de um período de seca. Assim, “o produtor faz uma poupança verde”. “[A desvantagem] no meu caso, é que tudo é feito manualmente, sem uso de máquina para picar, o que vamos resolver em breve com a compra de picador de Palma”, o produtor conta.

De acordo com o pesquisador da área de Forragicultura (Palma Forrageira), Márcio José Alves Peixoto, o cacto não pode ser plantado em solo com problema de encharcamento e, devido as limitações de valor proteico e de fibra, não pode ser fornecido como única fonte de alimentação. “A Palma forrageira apresenta baixo conteúdo de matéria seca, quando comparada à maioria das forrageiras. Este aspecto compromete o atendimento das necessidades de matéria seca dos animais que recebem exclusivamente Palma e, provavelmente, a elevada umidade limita o consumo pelo controle físico, por meio do enchimento do rúmen”, esclarece.

Além da aplicação aos animais, o pesquisador explica que a Palma forrageira pode ser utilizada para o consumo humano. “Até há pouco tempo, seu uso principal era na produção pecuária. No entanto, o potencial produtivo, nutritivo e as outras utilidades dessa planta despertaram o interesse de pesquisadores, que começaram a utilizá-la na alimentação humana, produção de medicamentos e cosméticos, na conservação e recuperação de solos. A Palma forrageira é rica em vitaminas A, complexo B e C e minerais como cálcio, magnésio, sódio, potássio, além de 17 tipos de aminoácidos”, ele afirma.

Purificação da água 

No sul do Ceará, no município de Barbalha na região de Cariri, o químico industrial Sávio Aires desenvolveu uma pesquisa que utiliza Mandacaru e Palma Forrageira, cactos típicos da localidade, como meio para purificação de água de barreiros. O processo levou dois anos e resultou em uma técnica que consegue limpar a água e, ainda, o lodo restante pode ser usado como adubo orgânico.

Registros fotográficos por Sávio Aires


Barreiros, conforme explica o pesquisador, são reservatórios construídos na região do Nordeste para acumularem água de chuva com a finalidade de serem usados no período da seca. “Eles são construídos em terrenos conhecidos como latossolos que são ricos em ferro, com coloração vermelha, que vai transmitir essa coloração para a água, tornando-a imprópria para o consumo humano e de animais”, ele conta.

 

 

 

Sávio trabalha com tratamento de água e esgoto, com uso de polímeros sintético industrial, importados do Canadá e EUA. A baba (pectina) das duas cactáceas possui as mesmas características físicas destes polímeros. Ao decorrer da pesquisa, o químico industrial observou que apresentavam também os mesmos aspectos químicos. “Apesar da reconhecida eficácia de floculantes e coagulantes químicos (polímeros/polieletrólitos e sais de alumínio), usados no tratamento convencional de água, há desvantagens associadas ao uso desses produtos, como a ineficácia em baixas temperaturas, custo de aquisição relativamente alto, produção de grande volume de lodo, ação significativa sobre o pH da água tratada e efeitos prejudiciais sobre a saúde humana”, conta.

 


Sávio orienta que, após o processo de tratamento com Mandacaru e Palma, a água passe por desinfecção, como pela fervura, para se tornar apta para consumo humano e de animais. 

 

 

O pesquisador esclarece que, até o momento, não foram encontrados indícios que o Mandacaru provoque efeitos colaterais, em especial, se usado em baixa quantidade no tratamento de água e por ser um produto natural. “[O Mandacaru possui] quantidades significativas de fibras, formadas por polímeros naturais de elevada massa molecular, como amido, hemicelulose, pectina e lignina. Encontra-se também, em fase de pesquisa o tratamento de água de “volume morto de açude,” por meio de polieletrólitos naturais extraídos da flora do semiárido nordestino”, ele informa.

 

 

Foto de capa por: Felipe/ Incaper


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