Criação de bezerros no Acre precisa se modernizar para garantir sustentabilidade da pecuária

O estudo revelou que 75,4% das propriedades apresentam pastagem com boa qualidade

24/06/2025 às 15:50 atualizado por Redação - SBA | Siga-nos no Google News
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Vítor Macedo - O estudo revelou que 75,4% das propriedades apresentam pastagem com boa qualidade

 

Diagnóstico realizado pela Embrapa Acre, em fazendas de cria do estado, revelou que 82% dos produtores são de base familiar e 71% praticam a criação de bezerros com baixa adoção de tecnologias. A ausência de infraestrutura adequada nessas propriedades está entre os principais fatores que dificultam a modernização dos sistemas de produção.

Entre as potencialidades da atividade, o estudo revelou que 75,4% das propriedades apresentam pastagem com boa qualidade, resultado do investimento em reforma de pastagens com adoção de gramíneas adaptadas à região. O uso dessas tecnologias contribui para garantir pastagens produtivas e duradouras, reduzem custos com novas reformas e evitam a abertura de novas áreas.

Principal atividade econômica do Acre

Principal atividade econômica do Acre, a pecuária de corte responde por 60% do valor bruto da produção agropecuária do estado e a criação de bezerros é a base para obtenção de animais com características desejáveis para a produção de carne de qualidade. A pecuária de cria gera trabalho e renda para mais de 10 mil produtores rurais do estado, que fornecem bezerros desmamados para propriedades de recria e engorda do Acre e outras localidades das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Para conhecer as potencialidades e fragilidades dessa atividade, pesquisadores da Embrapa percorreram 246 fazendas de cria, em 12 municípios acreanos.

O diagnóstico traça um retrato da pecuária de cria no Acre, apontando pontos positivos, os gargalos que impedem a adoção de tecnologias e as demandas por políticas públicas na atividade. Os resultados confirmam o potencial da criação de bezerros no Acre e revelam carências típicas da pequena produção. O Coordenador do estudo, o pesquisador Carlos Mauricio Andrade, pondera que no desafio de modernizar a pecuária de cria, o primeiro passo é conhecer a realidade da atividade e o perfil dos produtores e das propriedades. Esse conhecimento é fundamental para identificar onde está a atividade e aonde é possível chegar.

“Identificamos demandas tecnológicas que requerem ações de transferência de tecnologias, investimentos em pesquisas estratégicas para o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas e políticas públicas para apoiar os criadores e desenvolver esse segmento econômico no estado”, relata. “Como a pecuária bovina é uma atividade com todos os elos totalmente integrados, qualquer intervenção na pecuária de cria gera impactos em toda a cadeia”, frisa o cientista.

Os resultados do estudo estão compilados em quatro publicações: Perfil socioeconômico e tecnológico das propriedades de cria no Acre, Pecuária de cria no Acre: Infraestrutura produtiva e gestão da propriedade, Pecuária de cria no Acre: Uso de pastagens e suplementação do rebanho e Pecuária de cria no Acre: Genética, reprodução e sanidade do rebanho.

 

 Faltam informações sobre as tecnologias disponíveis

O diagnóstico confirmou que a pecuária de cria é menos desenvolvida que os outros elos da cadeia pecuária, embora existam tecnologias disponíveis e de baixo custo para a atividade. A carência tecnológica está relacionada principalmente ao tamanho da fazenda, que define o perfil econômico da propriedade, grau de escolaridade dos produtores e falta de informações para os criadores sobre as tecnologias já disponibilizadas pela pesquisa.

Entre as tecnologias pouco difundidas na pecuária de cria está o consórcio de gramíneas com leguminosas. O amendoim forrageiro, principal leguminosa recomendada para consorciação, lançado pela pesquisa há mais de duas décadas, está presente em apenas 6% das fazendas de cria, apesar do grande potencial da planta para intensificar a produtividade das pastagens.

O estudo também mostrou que os protocolos de controle das principais plantas daninhas das pastagens, recomendados pela pesquisa, não estão bem difundidos entre os produtores. Outra tecnologia ainda pouco conhecida é o plantio direto de forrageiras a lanço, pensado principalmente para pequenos produtores, por possibilitar a reforma de pastagens sem uso de tratores e com menor impacto ambiental. A técnica já é utilizada por grandes e médios pecuaristas, mas é pouco adotada por pequenos produtores, o que indica a necessidade de investimento em ações para a transferência dessa tecnologia.

Internet está presente em 71% das fazendas

O estudo revelou que 71% dos produtores têm acesso à internet por meio de smartfones e resolvem boa parte de suas demandas sem precisar se deslocar até a cidade. Esse canal de comunicação pode dar suporte às ações para disseminação de informações sobre as tecnologias disponíveis para modernizar a atividade.

Para o professor da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), Vitor Macedo, que também participou do estudo, como a internet é uma realidade inclusive entre pequenos produtores é importante estimular a criação de redes locais de troca de conhecimento. Segundo ele, isso facilitaria a interação entre produtores mais tecnificados, iniciantes e técnicos da extensão rural, em canais de divulgação, via aplicativos de comunicação e redes sociais.

“Outro ponto crucial é focar no compartilhamento de “tecnologias de entrada”, que exigem baixo investimento e têm efeito direto na produtividade, como a organização de calendário reprodutivo para a estação de monta, técnicas de identificação e separação das categorias de rebanho, vermifugação estratégica e práticas de manejo de pastagem”, destaca.

Pastagens com baixa degradação

 

 

O Acre possui, atualmente, o menor índice de degradação de pastagens entre os estados da região Norte, além de contar com pastos bem diversificados. Essa constatação é muito relevante, considerando os impactos da Síndrome da Morte do Braquiarão (SMB), doença que, a partir do final da década de 1990, causou a degradação de milhares de hectares de pastagens no estado.

De acordo com o estudo, apenas 24,6% das pastagens das fazendas de cria investigadas necessitam de renovação e em 73% dessas propriedades os produtores investem na diversificação de pastagens com plantio de pelo menos três tipos de gramíneas. Além disso, utilizam gramíneas adaptadas ao clima e solos da região, recomendadas pela Embrapa. A Brachiaria brizantha, cultivar Xaraés (também conhecida como MG5, foto à esquerda), lançada pela empresa em 2003, é o capim mais plantado, devido à alta resistência ao encharcamento do solo, problema típico da região amazônica.

“Os pecuaristas do Acre aprenderam a diversificar as suas pastagens e sabem reconhecer quando um pasto precisa de reforma, utilizando critérios recomendados pela pesquisa para identificar sintomas de degradação. A presença de falhas no pasto, a ocorrência de plantas daninhas, o aumento da população do capim-nativo e a ocorrência de sintomas típicos da SMB são os critérios mais utilizados, explica Andrade, que também enfatiza que esses resultados confirmam que o esforço da pesquisa científica para desenvolver e recomendar tecnologias de pastagem para a pecuária acreana tem gerado impactos positivos na atividade”, avalia.

Mais capacitação no campo

A pesquisa também revelou que a taxa de lotação média utilizada pelas fazendas de cria, de 2,49 cabeças por hectare, é 27,7% maior do que a média do estado. Isso indica que pelo menos um terço das fazendas apresentam excesso de gado, prática que ocasiona superpastejo e compromete o desempenho dos animais, a persistência do pasto e a geração de renda na propriedade.

Andrade explica que o superpastejo é um dos principais fatores de degradação de pastagem no Brasil. O problema, recorrente em muitas fazendas de cria no Acre, em especial naquelas de pequeno porte, gera impactos negativos tanto na nutrição do rebanho quanto na qualidade das pastagens. “Esse cenário evidencia a necessidade de mais capacitação para ampliar os conhecimentos dos produtores sobre como calcular a taxa de lotação e utilizar adequadamente essa informação na gestão das pastagens da propriedade, prática que pode reduzir ainda mais os níveis de degradação existentes”, reforça.

De acordo com o pesquisador Judson Valentim, o problema da superlotação de pastos também é consequência da limitação de áreas de terra e da percepção dos produtores, do gado como “poupança”. “A estratégia é aumentar o rebanho para depois vender uma parte e comprar novas áreas, principalmente para melhorar a escala de produção e permitir que os filhos permaneçam com suas famílias nas proximidades. Por outro lado, falta assistência técnica e acesso a crédito rural, principais vetores para a adoção de tecnologias para recuperar pastagens degradadas e melhorar a produtividade e lucratividade na pecuária de cria”, destaca.

Socialização dos resultados dias 25 e 26 de junho

Os resultados da pesquisa serão socializados com especialistas, produtores, técnicos, estudantes e outros públicos interessados pela temática, durante o 1º Simpósio Acreano de Pecuária de Cria, a ser realizado em Rio Branco, nos dias 25 e 26 de junho de 2025. O evento vai debater os desafios da criação de bezerros no Acre, por meio de palestras e painéis técnicos sobre melhoramento genético, nutrição animal, sanidade, manejo reprodutivo, gestão e comercialização de bezerros, entre outros temas.

“O objetivo é elencar possíveis soluções para os problemas apontados pelo diagnóstico da pecuária de cria e chamar a atenção de gestores públicos, parlamentares e tomadores de decisão para a importância econômica e social da atividade e para a necessidade de fomentar o processo de modernização”, explica Andrade.

 Limitações de mercado

O Acre produz o bezerro mais barato do Brasil, razão pela qual se tornou um estado exportador de bezerros para outras regiões do País. Com predomínio de pequenos produtores, a produção de bezerros ocorre em pequena escala, aspecto que reduz a capacidade de comercialização em leilões de gado ou diretamente com outros fazendeiros. A maioria vende seus lotes de bezerros para atravessadores, abaixo do preço de mercado, problema que prejudica a remuneração do pequeno produtor e dificulta o investimento em tecnologias para modernizar a propriedade.

Necessidade de políticas públicas

Os resultados do diagnóstico vão direcionar novas pesquisas e serão subsídio para a formulação de políticas públicas com foco na modernização dos sistemas pecuários de cria, para aumento da eficiência produtiva e sustentabilidade. Por ser uma atividade de base familiar, o perfil econômico dos criadores e o tamanho da propriedade influenciam de forma determinante os investimentos na adoção de tecnologias.

“Constatamos que as fazendas de médio e grande porte investiram muito na reforma de pastagens nos últimos 20 anos. Entretanto, pequenos criadores, com até cem cabeças de gado, têm dificuldade de realizar esse investimento. Uma das soluções tecnológicas que podem contribuir para mudar esse cenário é o plantio direto de forrageiras a lanço, técnica que dispensa a mecanização do solo, fator que encarece o processo de reforma da pastagem, e ajuda a conservar a fertilidade, e a estrutura desse recurso natural. Há uma clara demanda por políticas públicas com foco no aumento da adoção dessa tecnologia na pecuária de cria do Acre”, enfatiza Andrade.

Outro ponto que, de acordo com o diagnóstico, necessita de melhoria é a genética dos bezerros produzidos. Embora o padrão genético do rebanho acreano seja relativamente bom, o Acre precisa investir em melhoramento genético, especialmente para exportar bezerros. Em função da produção em pequena escala, muitos produtores têm dificuldade de comprar touros com alto padrão genético.

“Cerca de 80% dos criadores utilizam touros de “ponta de boiada” como reprodutores, ou seja, animais de mérito genético desconhecido. Esses produtores não têm nenhuma garantia que esses animais vão gerar bons filhos e isso compromete a qualidade genética do rebanho”, explica Andrade.

Entre as estratégias apontadas pelo estudo, para vencer as limitações para a adoção de tecnologias para o melhoramento genético do rebanho bovino na pecuária de cria, está o programa Progenética, iniciativa da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), que atua em parceria com o Banco do Brasil, no apoio a criadores, por meio de financiamento para aquisição de touros melhorados. Essa política pública existe em outras regiões e o governo do Acre pode incentivar a sua expansão para o estado.

Para Valentim, as soluções para os gargalos tecnológicos apontados na pecuária de cria passam, necessariamente, pela ampliação do acesso dos produtores à assistência técnica continuada e de qualidade e à linhas de crédito rural do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). “Além disso, é crucial a ampliação das ações da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), visando apoiar a criação de cooperativas e associações como mecanismo para realização de compras coletivas de insumos agropecuários e para a comercialização conjunta de bezerros”, destaca.

Modernização deve ser gradual

Vitor Macedo defende que o processo de consolidação da pecuária de cria como atividade comercial sustentável no Acre passa por um conjunto de ações integradas, envolvendo principalmente políticas públicas e capacitação. Iniciativas como priorizar o ensino médio técnico rural e oferecer capacitações continuadas em manejo, gestão e empreendedorismo para jovens e filhos de produtores podem ser eficazes nesse processo.

“Também é primordial destinar investimentos públicos para manutenção de estradas e ramais, para reduzir custos logísticos e conectar os produtores aos mercados, além de facilitar o acesso a linhas de crédito com carência e juros subsidiados voltadas, principalmente, para pequenas propriedades, em conjunto com serviços técnicos de acompanhamento gerenciais especializados”, ressalta.

Ainda de acordo com Macedo, a modernização dessa atividade produtiva precisa ser gradual e adaptada à realidade socioeconômica dos pequenos produtores familiares. “Modernizar, nesse caso, não significa adoção imediata de tecnologias sofisticadas, mas promover a elevação progressiva do padrão tecnológico das fazendas de cria, com foco na viabilidade prática e econômica para os produtores”.

Fonte: Embrapa


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