Entrevista: Paolinelli defende investimento em ciência para garantir futuro da alimentação

Alysson Paolinelli, indicado ao prêmio Nobel da Paz e ex-ministro da Agricultura, fala ao Canal do Boi sobre cenários e desafios para o setor de produção de alimentos

16/10/2021 às 08:00 atualizado por Thalya Godoy - SBA | Siga-nos no Google News
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Pensar no futuro da alimentação é uma tarefa dos dias atuais diante dos desafios que precisam ser equacionados, como o aumento da população mundial e a necessidade de uso de meios produtivos sustentáveis

Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura e indicado ao prêmio Nobel da Paz em 2021, acreditou no potencial brasileiro para a produção de alimentos há cerca de 50 anos. 

Na década de 1970 ele traçou planos para a região do Cerrado, uma área até então deixada de lado para grandes investimentos, e na estruturação da Embrapa e formação dos seus pesquisadores com a oferta de 2 mil bolsas de estudo para mestrado e doutorado, nas melhores universidades de ciências agrárias do mundo.

O Brasil saiu de um país importador de alimentos para um dos maiores exportadores, atualmente, abastecendo mais de um bilhão de pessoas pelo mundo.

Confira a entrevista de Alysson Paolinelli concedida ao Canal do Boi, em alusão ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado neste sábado (16).


Canal do Boi: Qual a importância do investimento em ciência e pesquisa para o futuro da alimentação?
Alysson Paolinelli:
o investimento em pesquisa é fundamental por uma razão muito simples: o desenvolvimento se faz com conhecimento. No mundo globalizado irá ganhar aquele que tiver mais conhecimento, mais competência, mais capacidade de gestão, mais governança. E a ciência é a base disso tudo.

Hoje vivemos em uma era em que a comunicação se tornou excelente. Nós nos comunicamos hoje com muito mais presteza e facilidade que anteriormente. Através dessa comunicação estamos cada dia mais bem informados sobre as revoluções.

Agora, o conhecimento é fundamental porque é ele através de empresários, daqueles que são realmente capazes de executar tarefas, que promovem o desenvolvimento. A ciência é o meio e a governança é o fim para se obter o resultado.

A agricultura brasileira só foi capaz de se tornar competitiva depois da criação da Embrapa, na sua articulação com as universidades, com as instituições estaduais de pesquisa e com a iniciativa privada. Por quê? Porque ela teve capacidade de integrar toda a inteligência nacional. Os cientistas, doutores, professores, pesquisadores, não só projeto que tem uma objetividade, mas a solução para se criar a primeira agricultura tropical sustentável do mundo. Não podemos descuidar do investimento em pesquisa.

“Ah, mas já somos os maiores”. Não somos. A ciência está em evolução, está vindo aí a bioeconomia e nós temos vantagens comparativas que estão nos colocando na frente. Temos um clima tropical em que não há interrupção dos fenômenos biológicos, como existe nos países temperados, em que a neve queima e tosta tudo. Aqui não. 

Nós temos doze meses no ano, possibilidade de usar os nossos recursos naturais e até produzir três safras em um ano. Isto é fruto de uma evolução que não podemos parar no meio do caminho.

Eu estou muito atento e feliz porque estou vendo a iniciativa privada investindo propriamente na sua necessidade de pesquisa. Estão fazendo seus laboratórios de biotecnologia On Farm, na sua própria fazenda, e desenvolvendo uma agricultura mais avançada. Enquanto estivermos conseguindo fazer isso, vamos ganhar. Na hora que parar de investir, vamos perder.

Alysson Paolinelli foi indicado ao prêmio Nobel da Paz, em 2021, devido ao seu trabalho realizado no setor de alimentos. Foto: José Cruz/ Agência Brasil


C.B.: Qual a importância do investimento em tecnologia agrícola tropical para o combate a insegurança alimentar mundial?
Alysson:
a segurança alimentar do mundo foi posta em dúvida ainda no século passado. O inglês Thomas Malthus desenvolveu na sua universidade um grupo de estatistas que descobriram que a agricultura temperada, que só produz uma vez no ano e que já ocupava quase todos os espaços viáveis do globo, não ia ser suficiente para manter a segurança alimentar.

Veio a revolução brasileira a partir de 1970 e deu ao mundo uma nova alternativa que não existia. Uma agricultura para os trópicos, chamada agricultura tropical, altamente sustentável e competitiva, que não só tirou o Brasil da dependência de importação de alimentos, mas como em menos de 20 anos transformou o Brasil numa matriz de exportação do mundo. A nossa tecnologia tropical, repito, que nos permite produzir até três safras por ano.

Nós usamos o solo e nossos recursos naturais intensamente doze meses no ano e trabalhamos com três ou quatro culturas, como indica o nosso ILPF [Integração Lavoura Pecuária Floresta]. Fazemos uma agricultura e uma pecuária de carbono zero, o que é mais importante ainda. Descarbonizando a nossa atmosfera que, pelos efeitos do uso intensivo de energia fóssil, estava mais do que contaminada. Ela está limpando aos poucos, graças a esse esforço brasileiro.

Com isto, nós comprovamos que além de mais sustentável, seremos a segurança no abastecimento nos próximos 30 anos, quando os estudos estatísticos das instituições internacionais apontam que haverá um equilíbrio populacional. O número de mortes se igualará ao de nascimentos e o mundo estará com dez bilhões de pessoas, mas serão pessoas com mais poder aquisitivo, mais dinheiro, mais renda e que vão querer se alimentar melhor do que hoje.

As projeções indicam que o mundo terá de oferecer daqui a 30 anos entre 61% e 71% a mais do que a oferta de hoje proporcionalmente e o Brasil é o único capaz de fazer isso sem precisar aumentar um hectare sequer na área já trabalhada ou derrubar uma única árvore. Esta é, sem dúvida nenhuma, a certeza que o mundo não passará mais fome.


C.B.: a produção de alimentos de forma sustentável tem sido uma exigência cada vez mais recorrente do mercado e de outras nações. Como o Brasil está posicionado atualmente diante desse desafio e o que precisa fazer para avançar?
Alysson: o Brasil está sendo criticado sem razões. É muito mais um jogo político e econômico dos países, especialmente, nórdicos, das zonas temperadas que, tendo terras férteis como tinham, arrancaram toda a vegetação nativa e agora não tem mais nada. Ficaram sem seus biomas originais e agora estão nos criticando sem razão para ver se a gente ainda salva um pouco a civilização do globo.

E nós vamos salvar porque preservaremos os seis biomas tropicais que temos pela ciência e tecnologia, que vão estabelecer quais são os limites de uso. Eles não tiveram isso, arrasaram tudo. E nesses limites de uso qual a tecnologia para manter a sustentabilidade em alto grau? Nós temos isso, eles não tiveram. 

A ciência vai desmentir essas fake news que estão usando muito mais por interesse próprio. O Brasil é, sem dúvida, o único país do mundo capaz de produzir até três vezes no ano safras sucessivas, sem causar destruição de seus recursos naturais.

C.B.: o senhor mencionou que daqui algumas décadas teremos um aumento da população mundial, o que vai se tornar um desafio para a produção de alimentos. O Brasil tem potencial para atender essa demanda?
Alysson:
o Brasil e todo mundo tropical. A África nas suas savanas, a Ásia nos seus estepes que são cerrados como o nosso degradado por 500 mil anos de chuva, de fogo, de maus tratos e etc. Hoje, o Cerrado brasileiro tem 54% da área de vegetação nativa e nós ainda estamos fazendo o ingresso. Pegamos uma área degradada e a transformamos na mais produtiva e competitiva que o mundo tem. 

Isso é um avanço de grande importância para toda a humanidade e ela haverá de agradecer essa ousadia brasileira. Nós não partimos de terras férteis, partimos de terras que eram rejeitadas. Na década de 70 o Cerrado tinha um estado só dado ou herdado, comprado nunca. Não tinha valor.

Hoje ele compete com as áreas mais produtivas do globo. Essa é a diferença, a ciência que fez isso.

Nos próximos 30 anos, o setor de alimentos enfrentará uma série de desafios para abastecer o mercado mundial


C.B.: além desses pontos que o senhor mencionou, o Brasil terá outros desafios determinantes para garantir o abastecimento de alimentos? 
Alysson:
tem, infelizmente. Houve um descaso nesses últimos 30 anos de seriedade no governo para gerenciar bem a nossa economia. Foram perdulários e até desonestos, a gente sabe hoje. Roubaram e isso é triste, porque um país que ainda tem tantas dificuldades como o Brasil não podia ter sofrido essa sangria. Nos deixaram com um déficit público que em dezembro deverá alcançar R$ 7 trilhões, que vamos gastar aí de 10 a 12 anos pra pagar. 

Existem muitos mal administradores dizendo que déficit público não se paga, se rola. Eles que fizeram a nossa moeda se arrebentar com esta errônea concepção. Ninguém pode ser caloteiro, senão você não tem moeda e a nossa agora tem que ser forte para concorrer no mercado de mais de 200 países que estamos abastecendo. 

Nós abastecemos mais de um bilhão de pessoas hoje. Portanto, a nossa moeda é muito séria para deixar na mão dos irresponsáveis que levaram a essa situação incômoda. Ou nós corrigimos isso ou vamos sofrer. Veja que a ciência e a tecnologia não podem ficar sem esses investimentos que, durante 10 ou 12 anos, pagaremos a dívida. 

Felizmente, o setor agrícola brasileiro passou a ter renda e isso está fazendo com que o setor privado avance, especialmente, nessa fase em que a biotecnologia e a bioeconomia vai ser o fator principal para manutenção do desenvolvimento.

Temos uma dependência no setor agrícola por produtos químicos industrializados, mas iremos pela ciência e riqueza biológica que o Brasil tem. Somos o país mais rico em biologia do mundo. Nós vamos vencer essa etapa se investirmos em ciência biológica. Eu acredito nisso porque a iniciativa privada já está fazendo isso.

Eu tenho muitos amigos bons produtores e quando vou visitá-los a primeira coisa que querem me mostrar é o seu laboratório biológico, produzindo os insumos que precisam sem dependência. É o chamado trabalho On Farm, para a sua própria fazenda. E é aí que nós vamos vencer, independente das burrices do governo.

C.B.: o desperdício de alimentos é um grande problema que o mundo precisa equacionar. Em 2019, cerca de 931 milhões de toneladas foram descartadas e uma parte é perdida dentro das propriedades rurais. Qual caminho o senhor enxerga para resolver esse cenário?
Alysson:
esse é um drama que temos porque a maioria dos alimentos são muito perecíveis, como leite e a carne, que são os mais nobres. As proteínas animais são difíceis e mesmo nas proteínas vegetais há perdas e precisamos estar cada dia mais aparelhados para fazer o processamento, a industrialização para incorporar valor econômico ao produto que estamos produzindo. 

Vamos reduzir a exportação de commodities para exportar produto acabado de muito maior valor, o que nos dará mais riqueza. Eu acredito nisso, mas precisamos investir.

Não pode o governo continuar perdulariamente, não ter controle sobre o recurso que administra. Esta é uma mudança que precisa existir no Brasil e eu confio nessa juventude de mulheres e homens vão fazer. Vocês são mais bem informados, tiveram pela ciência de tecnologia de informação uma evolução muito mais rápida, uma informação muito mais segura do que nós tivemos.

Vocês vão errar menos e é por isso que eu acredito muito na juventude brasileira, especialmente, aqueles que acreditam no país livre e democrático onde a família seja respeitada. É graças a Deus a maioria dos nossos jovens. Eles saberão corrigir essas deficiências e mazelas que estamos deixando. Tenham confiança nisso.
 


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