Mariposa da espécie Diatraea saccharalis
Foto: Heraldo Negri de Oliveira.
Por muito tempo acreditou-se que o fungo causador da podridão vermelha apenas se aproveitava dos buracos deixados pela lagarta “broca-da-cana”. Porém uma pesquisa, conduzida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq – USP), mudou esta perspectiva, mostrando que o fator desencadeante, diferente do que se acreditava, é o fungo e não o inseto. A pesquisa foi divulgada ontem (13) no ISME Journal, o periódico do grupo Nature.
O fungo Fusarium verticillioide é causador de uma das principais doenças da cana-de-açúcar, a podridão vermelha, que pode dar prejuízos de R$ 5 bilhões somente no Brasil.
O modelo de transmissão tradicional dizia que a doença era desencadeada pela mariposa Diatraea saccharlism, a broca-da-cana, que em sua fase de lagarta furaria os colmos da cana, que posteriormente seriam infectados de forma oportunista pelo fungo.
O estudo conduzido na USP apontou que esse “É o primeiro caso cientificamente demonstrado de um fungo patogênico manipulando seu vetor [o inseto] e seu hospedeiro [a planta] em benefício próprio”, diz o pesquisador José Maurício Simões Bento, professor titular da Esalq-USP e um dos coordenadores do estudo.
Os fungos oportunistas, geralmente, não precisam de vetores e se valem meramente de lesões na estrutura do hospedeiro para poder infectá-lo. Diferente do caso da podridão vermelha, em que o fungo muda as características do vetor e do hospedeiro para promover sua disseminação. “Estabelecemos um novo paradigma para a associação planta-inseto-fungo na cultura da cana de açúcar, enfatiza Bento.
“Antes o alvo era a mariposa. E a ideia era que o fungo meramente aproveitava as aberturas nos colmos produzidas pelas lagartas. Descobrimos que não. Ele manipula os insetos para poder penetrar nas plantas. E manipula as plantas para atrair mais insetos”, afirma Márcio de Castro Silva Filho, também professor titular da Esalq-USP e também coordenador do estudo.
Através de vários experimentos, os pesquisadores descobriram que as plantas infectadas pelo fungo produzem compostos voláteis que são irresistíveis para fêmeas grávidas broca-da-cana. Atraídas pelo composto, as mariposas põem seus ovos nas plantas. E as lagartas “recém-nascidas” penetram nos colmos.
Uma vez no interior das plantas infectadas, as lagartas continuam atraídas pelos compostos voláteis e estimuladas a se alimentar. Assim, são contaminadas, e, posteriormente, viram pupas e adultos portadores do fungo.
“Essas novas mariposas, agora infectadas, são capazes de transmitir o fungo à geração seguinte, por meio de seus ovos. E, diferentemente das mariposas sadias, são atraídas pelos compostos voláteis das plantas sadias, não infectadas. Pondo seus ovos nessas plantas, elas as infectam. Desse modo, o fungo manipula tanto a planta como o inseto para promover sua disseminação”, informa Silva Filho.
Influenciadas pelos compostos voláteis do fungo, as fêmeas não portadoras preferem depositar seus ovos em plantas infectadas e as fêmeas portadoras dão preferência a plantas sadias. Por meio desse mecanismo, a podridão vermelha se alastra pelos canaviais, onde causa perdas de 50% a 70% da sacarose dos colmos infectados.
“Nosso estudo reescreve o entendimento de longa data sobre essa doença, considerada a principal enfermidade da cultura canavieira e responsável por enormes prejuízos na produção de etanol e de açúcar. Demonstramos que a lagarta é um vetor da doença, contrariamente ao entendimento de que o fungo só penetra na planta a partir dos orifícios deixados pela lagarta”, concluem Bento e Silva Filho.
Confira aqui o estudo completo.
Com informações da Esalq - USP